Desenvolvemos nossos produtos com o objetivo de atender
mulheres que valorizam a sofisticação, o requinte e o conforto sempre
com um olhar contemporâneo", dizem peças publicitárias da marca de
roupas femininas Brooksfield Donna.
Mas uma investigação de fiscais do Ministério do Trabalho sugere que
esse objetivo possa estar sendo cumprido com ajuda da exploração de
trabalho escravo.
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Após inspeção em uma das oficinas subcontratadas pela empresa, em São
Paulo, no início de maio, auditores do Programa de Erradicação do
Trabalho Escravo, do Ministério do Trabalho e Emprego autuaram a marca
por trabalho análogo à escravidão e trabalho infantil, em mais um triste
flagrante escondido por trás de catálogos de roupas luxo no Brasil.
Cinco trabalhadores bolivianos - incluindo uma menina de 14 anos -
foram encontrados na pequena oficina no bairro de Aricanduva, cuja
produção era 100% destinada à marca. Sem carteira assinada ou férias,
eles trabalhavam e dormiam com suas famílias em ambientes com cheiro
forte, onde os locais em que ficavam os vasos sanitários não tinham
porta e camas eram separadas de máquinas de costura por placas de
madeira e plástico.
Os salários dos trabalhadores bolivianos dependiam da quantidade de
peças produzidas - R$ 6,00, em média, por roupa costurada. Na cozinha,
perto de pilhas de retalhos e muita sujeira, foram encontradas panelas
com arroz e macarrão para a alimentação de famílias inteiras.
Procurada pela reportagem, a Via Veneto, proprietária da Brooksfield
Donna, negou vínculo com a oficina e afirmou que "não mantém e nunca
manteve relações com trabalhadores eventualmente enquadrados em situação
análoga a de escravos pela fiscalização do trabalho".
Vínculo
Com valores unitários que podem ultrapassar R$ 500,00 nas lojas, todas
as peças apreendidas tinham etiquetas da Brooksfield Donna. Segundo o
Ministério do Trabalho, a empresa se recusou a pagar os direitos
trabalhistas dos resgatados - o valor total estimado pelas autoridades,
somando os cinco trabalhadores, seria de R$ 17,8 mil.
À BBC Brasil, em nota, o departamento de marketing da Via Veneto
afirmou que "a empresa não terceiriza a prestação de serviços e seus
fornecedores são empresas certificadas. A empresa cumpre regularmente
todas as normas do ordenamento jurídico que lhe são aplicáveis".
Questionada, a marca se recusou a comentar o flagrante específico do
MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), as etiquetas e anotações
referentes à marca encontradas nas roupas e o fato de toda a produção
ser feita com exclusividade para a Brooksfield Donna.
Também preferiu não explicar como funciona sua cadeia de produção, nem a
finalidade da subcontratação de oficinas de costura como a encontrada
pelos fiscais.
De acordo com o relatório da inspeção do MTE, apresentado com
exclusividade à BBC Brasil e à ONG Repórter Brasil, a marca "é
inteiramente responsável pela situação encontrada na oficina" e foi
considerada "a real empregadora", responsável "pelos ilícitos
trabalhistas constatados".
Os auditores argumentam que a Via Veneto comanda o processo de
"definição do tipo e quantidade de peças desejadas", estipula os preços
de custo e venda e é responsável pela "aprovação das peças-pilotos que
serão utilizadas como modelos a serem reproduzidos no corte e na
costura", além dos prazos para entrega e do controle de qualidade, feito
por "inspetores de qualidade designados pela Via Veneto".
Só depois da aprovação pela marca de roupas, segundo o relatório, "é
realizado o pagamento à confecção, e por sua vez, o repasse à oficina, e
na sequência, o pagamento aos trabalhadores mantidos em informalidade
na oficina de costura".
"Os fornecedores são totalmente dependentes economicamente dela,
constituindo-se, na verdade, em meros intermediadores de mão de obra
barata e precarizada."
Responsabilidade
A adolescente de 14 anos flagrada pelos auditores só se levantou da
mesa de trabalho quando percebeu que acabava de perder o "emprego",
contou à BBC Brasil a auditora-fiscal Livia dos Santos Pereira.
"Mesmo depois de o dono tentar impedir que entrássemos, ela continuou
na máquina. Só saiu quando nos viu e subiu para o quarto, bastante
assustada", diz, descrevendo "um ambiente desorganizado, sujo,
improvisado, em que qualquer pessoa não gostaria de estar".
Ela conta que, na maior parte das fiscalizações, os imigrantes
encontrados em situação análoga à escravidão viviam na miséria em seus
países.
"Eles vêm para o Brasil porque a situação onde estavam é muito ruim",
diz. "Esta é a crueldade da vulnerabilidade social. Muitas vezes o
próprio trabalhador não consegue visualizar que o estamos tirando de uma
condição de escravidão."
Segundo o relatório da fiscalização, "apenas com muitas horas de
trabalho os trabalhadores imigrantes conseguiriam gerar renda suficiente
para garantir as despesas com alimentação e moradia administradas pelo
gerente da oficina, além da almejada sobra que, remetida à Bolívia e
convertida em moeda local, poderia minimamente prover a subsistência de
uma família inteira".
"Na prática, no modelo adotado naquele núcleo fabril, não há qualquer
limitação de jornada, sendo inexistentes os limites, inclusive de espaço
físico entre a vida fora e dentro do trabalho", prosseguem os
auditores. "Esta jornada, agravada pelo ritmo intenso, pelo nível de
dificuldade, detalhamento e concentração exigidos no trabalho de costura
de peças de vestuário, (...) tendo ainda em vista a remuneração por
produção, sem limites físicos entre o ambiente produtivo e de vivência,
leva os trabalhadores ao esgotamento físico e mental."
Diante da recusa da Brooksfield Donna em reconhecer o vínculo com a
oficina e pagar as verbas trabalhistas e de indenização aos
trabalhadores, o Ministério Público do Trabalho instaurou um inquérito
civil contra a marca, que deve recorrer.
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