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sexta-feira, 15 de abril de 2016

A internet sob ameaça e o impacto dos planos limitados de banda larga

Ao impor limites de consumo de dados em planos de banda larga, operadoras prejudicam os clientes e o desenvolvimento do país na era digital 

operadoras de banda larga conseguiram um feito nesta semana. Uniram um país que, ao longo dos últimos meses, acostumou-se com um ambiente belicoso e polarizado nas redes sociais. Comunidades no Facebook e petições on-line com mais de 1 milhão de apoiadores exigem que as operadoras Net, Vivo e Oi suspendam seus projetos de impor franquias de dados para a banda larga fixa. A franquia que já existe para os celulares passaria a valer também para o Wi-Fi de casa. Quem atingir o limite terá a velocidade reduzida. Em alguns casos, bloqueada. O pecado das operadoras foi mexer com uma paixão de mais de 105 milhões de brasileiros, que usam a internet freneticamente para trabalhar, se entreter e se informar. Somos os campeões de uso de redes sociais. Passamos 60% mais tempo dentro de sites como o Facebook que os americanos. Cerca de 70% dos usuários de internet no Brasil usam a rede para fins educacionais. Mas são os adeptos dos serviços de streaming, como o YouTube, o Netflix e o Globo Play, que saem como os grandes prejudicados dessa mudança.
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O Brasil é a segunda maior audiência global do YouTube, serviço que se tornou o cartão de visita do streaming. A terceira maior do Netflix, com 4 milhões de assinantes. O Globo Play, que oferece a programação da TV Globo em computadores e smartphones, tem mais de 5 milhões de usuários em poucos meses de lançamento. São números que mostram a ascensão da tecnologia que permite o consumo de conteúdo sem a necessidade de fazer o download no computador. Uma inovação que, além da comodidade, é uma alternativa para driblar a pirataria on-line. Ao assinar um desses serviços, o usuário paga o direito autoral e diminui a busca por downloads ilegais. Se por um lado eles transformaram a forma como consumimos música, filmes e programas de TV, se mostraram grandes rivais das operadoras de banda larga.
>> "CPI dos Crimes Cibernéticos poderá coibir pirataria online", diz Edson Vismona

Serviços de streaming usam uma quantidade muito maior de bytes que a navegação tradicional na internet, com acesso a e-mails e sites. As operadoras alegam que o investimento necessário em infraestrutura para acompanhar a mudança de hábito do consumidor é  elevado. Argumentam que a carga tributária para equipamentos de rede é alta – e nesse ponto é difícil discordar. “A solução que encontraram para isso é restringir o direito ao usuário, quando deveriam fazer uma reforma da legislação tributária do setor”, afirma Thiago Tavares, presidente da ONG Safernet e conselheiro do Comitê Gestor da Internet (CGI).

A preocupação com a franquia de dados é recente. Uma pesquisa realizada com consumidores americanos em 2012 questionou se eles preferiam uma banda larga mais rápida, mas com limite de dados, ou uma banda larga com velocidade mediana e um consumo de dados ilimitado. Eles responderam à primeira opção. "A diferença é que se tratava da era pré-streaming", diz Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio). “O streaming mudou o jogo. É o que faz com que as operadoras tenham optado para esse modelo de franquias.”

Por trás, há também o interesse econômico. Além da conexão à internet, Net, Oi e Vivo oferecem combos que incluem telefone fixo e TV por assinatura. Para seduzir o cliente, esses pacotes costumam vir com descontos para quem topa levar os três serviços juntos. O avanço do streaming está fazendo com que muita gente deixe de assinar a TV a cabo. No modelo atual, o consumidor é obrigado a pagar por programas distribuídos numa grade preestabelecida, além de ter de incluir em seu pacote canais que não interessam – pense num casal sem filhos que paga por dezenas de canais voltados ao público infantil. Muitos consumidores estão cancelando a TV e migrando gradativamente para esses serviços sob demanda. Ao impor um limite de consumo de dados claramente insuficiente – e cobrar por pacotes adicionais –, as operadoras poderiam recuperar parte das receitas perdidas.

Não é esse, porém, o discurso oficial das operadoras. Elas justificam que, ao adotar o modelo de franquia de dados, poderão gerenciar melhor as demandas de cada cliente, cobrando menos de quem usa pouco e mais de quem usa muito. Mas quem está mais próximo de se tornar um padrão de usuário de internet no futuro? A pessoa que só acessa e-mail e lê sites ou alguém que assiste aos vídeos de notícias, passeia pelo YouTube, baixa conteúdo digital, assina serviços como Netflix e Globo Play? Números mostram que será o segundo grupo. De acordo com a Cisco, empresa que faz a medição do consumo de dados digitais no mundo, o tráfego de internet no Brasil terá crescido 2,2 vezes entre 2014 e 2019. O volume de vídeos da internet, sozinho, triplicará no mesmo período. Em médio prazo, todos estaremos pagando mais por estourar nossas franquias.

Ao longo da última semana, ÉPOCA tentou ouvir porta-vozes das operadoras, mas recebeu como resposta apenas notas esclarecendo dúvidas pontuais. A Vivo, que também é dona da GVT, não respondeu aos questionamentos sobre o tamanho das franquias, que começam em 10 GB mensais – o suficiente para assistir a quatro capítulos de uma série no Netflix – e vão até 120 GB na tecnologia ADSL, que usa a infraestrutura das linhas telefônicas fixas. Para usuários de fibra óptica, as franquias vão de 120 GB a 300 GB, mas por mensalidades que chegam a R$ 329. Vale lembrar que estamos falando de um limite que é compartilhado entre moradores de uma residência. A média brasileira é de três moradores por domicílio. Cada um tem seu smartphone, eventualmente um tablet, além de TVs conectadas. Imagine cada um deles pendurado no Wi-Fi assistindo a vídeos e a filmes em alta resolução?

A Oi afirma que já prevê em seus contratos as franquias de dados, mas que ainda não implementa a medida. A Net disse que já pratica o limite de dados há anos. No caso, ao atingir a franquia, a velocidade da banda larga cai para 2 Mbps, o mínimo comercializado pela operadora. A única que respondeu ao pedido de entrevista foi a TIM, que não pretende adotar as franquias. “Não posso dizer que nunca vamos adotar o modelo, mas não há nenhuma previsão”, diz Rogério Takayanagi, vice-­presidente de marketing da TIM. “Hoje, o consumo médio do usuário de fibra óptica é de 160 GB por mês”, diz.

A Agência Nacional de Telecomunicações, que tem dupla missão – zelar por um ambiente de negócios bom para as empresas e também pelos interesses dos cidadãos –, ficou ao lado das operadoras. Ao portal Convergência Digital, especializado no setor de telecomunicações, o superintendente de Competição da Anatel, Carlos Baigorri, disse que a adoção do sistema de franquia é esperada e positiva. “Não existe um único consumidor, então para quem está abaixo da média, consome menos, o limite é melhor. E pior para quem consome muito”, afirmou.

Limitar a banda larga fixa traz consequências que vão além de nossas casas. O Wi-Fi do restaurante provavelmente não será mais gratuito, os pesquisadores que trabalham com dados pesados terão de gastar muito em internet mensal, os estudantes que fazem cursos e graduações à distância terão um gasto extra com internet, o fim de semana inteiro no Netflix e no YouTube e os jogos de videogame on-line serão passatempo de uma pequena elite. O sistema de franquia de dados, antes de prover internet a todos, pode estimular uma estratificação ainda maior entre os brasileiros. Um retrocesso na trajetória de uma tecnologia fundamental para o desenvolvimento do país.

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