Sancionada pelo presidente Michel Temer no fim de março, a lei estabelece que as empresas contratantes de serviços terceirizados só terão responsabilidade de caráter subsidiário
Sancionada pelo presidente Michel Temer no fim de março, a lei
estabelece que as empresas contratantes de serviços terceirizados só
terão responsabilidade de caráter subsidiário, ou seja, só poderão ser
processadas na Justiça por irregularidades na ausência da firma
contratada.
Se a prestadora de serviços deixar de pagar suas obrigações
trabalhistas, funcionários terceirizados só poderão processar a empresa
contratante se a prestadora de serviços não puder responder -se estiver
falida, por exemplo.
Para o juiz Germano Siqueira, presidente da Anamatra (Associação dos
Magistrados da Justiça do Trabalho), a lei pode levar a uma degradação
das relações trabalhistas por causa desse dispositivo.
Antes da nova lei, muitas empresas já recorriam a um argumento
semelhante para se defender de processos trabalhistas na Justiça, com
sucesso em muitos casos, alegando que a responsabilidade primária por
eventuais irregularidades era da prestadora de serviços terceirizados.
Esse argumento era usado mesmo em casos extremos, como de uso de
trabalho análogo à escravidão, afirma Adilson de Carvalho,
coordenador-geral da Comissão Nacional de Combate ao Trabalho Escravo da
Secretaria de Direitos Humanos, vinculada ao Ministério da Justiça.
Agora, com a subsidiariedade transformada em lei, não há margem para
outras interpretações, fortalecendo os argumentos dessas empresas, de
acordo com Carvalho.
"Não vejo outro motivo [para a nova lei] a não ser um salvo conduto,
uma liberação da precarização do trabalho ainda maior do que já existe
no Brasil", afirma Carvalho.
A legislação alivia a pressão que grandes empresas sofrem há alguns
anos para zelar pelo cumprimento das obrigações trabalhistas por seus
fornecedores, diz a advogada Daniela Yuassa, do escritório Stocche
Forbes.
Além disso, a lei entra em vigor num momento em que a capacidade do
governo de fiscalizar as empresas está diminuindo, segundo Antonio
Mello, coordenador do programa de combate ao trabalho forçado da OIT
(Organização Internacional do Trabalho) no Brasil, que diz ter notado
piora da fiscalização.
"O nível de reposição dos auditores é baixo, o índice de
aposentadoria é alto e há cada vez menos recursos para fazer
fiscalização", afirma.
Há 2.460 auditores-fiscais do trabalho em atividade, segundo o
Sinait, o sindicato da categoria. É o menor quadro em 20 anos, disse a
vice-presidente da entidade, Rosa Jorge, em reunião da comissão da
Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos da Classe Trabalhadora.
Segundo ela, a OIT calcula que seriam necessários 8.000. Procurado, o
Ministério do Trabalho não se manifestou.
PROTEÇÃO
O Ministério Público do Trabalho discorda da ideia de que a nova
legislação vai enfraquecer a fiscalização das cadeias produtivas ou
aliviar a pressão sobre as empresas.
"Quando a empresa se beneficia de uma mão de obra para gerar um
produto em que ela vai ter lucro, ela é socialmente responsável pela
cadeia produtiva, ainda que não exista nem mesmo responsabilidade
subsidiária", afirma o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury.
Segundo ele, a instituição vai continuar exigindo na Justiça a
responsabilização de empresas que se beneficiam do uso de mão de obra
irregular, como nos casos de trabalho análogo à escravidão.
Para o juiz Wilson Fernandes, presidente do Tribunal Regional do
Trabalho da 2ª Região de São Paulo, a nova lei não muda o que já vinha
sendo praticado nos tribunais e contribui para fortalecer a proteção aos
trabalhadores ao estabelecer a responsabilidade subsidiária como regra.
"A orientação do tribunal vinha sendo no sentido de, se a empresa
tomadora de serviço não comprovar que fiscalizou o cumprimento das
obrigações pela prestadora, ela também respondia ao processo", afirma
Fernandes.
Por isso, sempre foi e continua sendo recomendado que as empresas
fiscalizem suas cadeias, diz o advogado e professor de direito
trabalhista da USP Estêvão Mallet.
"Não é raro que os contratos de prestação de serviços tenham
cláusulas exigindo a apresentação de documentos da prestadora, a
previsão de retenção de pagamento quando isso não é feito. Se as
tomadoras não fizerem isso, vão pagar a conta", afirma.
A lei sancionada por Temer permite que as empresas terceirizem
qualquer atividade, mesmo as essenciais para seus negócios, e não
somente as chamadas atividades-meio. A legislação assegura aos
funcionários terceirizados todos os direitos trabalhistas, mas não
necessariamente os mesmos benefícios que a empresa contratante oferece a
seus funcionários.
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