Batalha épica entre os heróis da Marvel é apenas o caminho para algo maior
Capitão América: Guerra Civil
é um filme de muitas missões. A primeira é cumprir a expectativa em
torno de seu título, que promete adaptar ao cinema um importante arco da
história recente dos quadrinhos. Mais do que fidelidade, os roteiristas
Christopher Markus e Stephen McFeely buscaram inspiração nas páginas criadas por Mark Millar e Steve McNiven,
concentrando seus esforços na temática de responsabilidade da HQ. Quais
os direitos e deveres do ser superpoderoso? Tem ele culpa nos danos
colaterais da salvação do mundo?
É o erro de um dos heróis que inicia a discussão. Com o tratado de
Sokóvia na mesa, propondo a regulamentação e a jurisdição daqueles com
habilidades especiais, os Vingadores separam-se naturalmente. O filme
situa os personagens no pós-Era de Ultron para que seja possível entender a escolha de cada um, não se detendo a uma questão de certo ou errado. Com Tony Stark (Robert Downey Jr.) tomado pela culpa de ações passadas e Steve Rogers (Chris Evans)
preocupado em proteger os seus colegas de batalha, a velha rixa entre
Homem de Ferro e Capitão América, estabelecida desde o seu primeiro
encontro no cinema, ganha contornos épicos.
O segundo compromisso do filme é ser uma continuação de Capitão América: Soldado Invernal, o que transforma Bucky Barnes (Sebastian Stan)
no evento catalisador definitivo de Guerra Civil e cria terreno para
uma terceira missão: apresentar Pantera Negra. Assim, enquanto
gradualmente aumenta a escala do conflito, com cenas de perseguição
empolgantes, dirigidas com engenhosidade pelos irmãos Joe e Anthony Russo,
o longa desenvolve a história do velho amigo de Steve Rogers e do
herdeiro de Wakanda. A introdução de T'Challa se completa em poucas
cenas, cuidadosamente construídas para estabelecer o seu universo, da
pessoa pública ao guerreiro. Pela interpretação de Chadwick Boseman,
a figura mascarada que adentra a trama tem personalidade e sua inclusão
ao panteão do universo cinematográfico da Marvel é concluída com
sucesso.
O mesmo vale para o quarto e mais aguardado encargo de Guerra Civil: a
apresentação do novo Homem-Aranha. Fruto de um altamente divulgado
acordo entre Sony e Marvel, o herói
retorna "emprestado" para o estúdio da Casa das Ideias, ganhando no
terceiro longa de Capitão América a introdução necessária para tirar do
caminho do seu filme solo (previsto para 2017) a sua tão repetida
história de origem. Markus e McFeely resolvem em algumas linhas de
diálogo a personalidade, os poderes, as responsabilidades e o uniforme
do amigão da vizinhança, dando espaço suficiente para Tom Holland
justificar a sua escalação. Colocada em ação pelos Russo, essa versão
"moleque" completa a demonstração do seu potencial. Entre uma piadinha e
uma balançada de teia, Peter Parker está pronto para voltar aos
cinemas.
Envolvendo todos esses objetivos está a incumbência de Capitão América: Guerra Civil iniciar
a Fase 3 do universo cinematográfico da Marvel. A trama se desenrola
como uma consequência de eventos da Fase 2, principalmente Soldado Invernal e Era de Ultron, tendo como principal amarra a misteriosa figura de Zemo. Desprovido do baronato, o vilão interpretado por Daniel Brühl
aparece em uma versão bastante diferente dos quadrinhos, o que pode
encontrar resistência entre alguns fãs. A justificativa está em uma
proposta que desafia a lógica dos blockbusters no terceiro ato. Uma
"ousadia", porém, que quebra o ritmo da narrativa e pode ficar no
caminho da necessária imersão do espectador.
Tantas obrigações, tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, fazem de
Guerra Civil um filme grandioso, porém episódico. A sensação de que
está se vendo apenas uma parte, não o todo, é constante. Sem um clássico
início, meio e fim, trata-se de mais um capítulo do MCU, que os Russo
amarram com habilidade, usando o debate sobre responsabilidade, as
brigas e o humor para desenvolver emocionalmente todos os personagens.
Do relacionamento entre Visão e Feiticeira Escarlate, conhecido nos
quadrinhos e delicadamente construído na tela, ao amadurecimento de Tony
Stark, em um retrato diferente de suas outras encarnações, mas não
menos interessante, passando pelas muitas amizades do antes solitário
Steve Rogers, ou mesmo pela lealdade de Homem-Formiga, Falcão, Máquina
de Combate, Gavião Arqueiro e Viúva Negra. A história de todos segue em
frente, mesmo que a conclusão ainda esteja distante.
Essa habilidade dos Russo para trabalhar diversos elementos simultaneamente aparece também nas cenas de ação. Como em Soldado Invernal,
a dupla sabe coordenar os acontecimentos, evitando que o público se
disperse com o movimento, seja no corpo a corpo ou em grande escala. A
monumental cena do aeroporto, por exemplo, aproveita as habilidades de
cada herói para desenvolver a ação de forma narrativa (e divertida). É
possível saber onde cada personagem está e entender a sequência de
eventos. Cheio de surpresas para os fãs, o trecho só perde o impacto
pelo excesso de efeitos visuais, facilmente detectáveis em momentos que
poderiam ter sido melhor finalizados. O alto nível da ação prática,
incluindo a forma quase dolorosa com que os personagens despencam de
prédios (adornada por uma ótima edição de som), aumenta ainda mais o
contraste com esse visual artificial.
Capitão América: Guerra Civil é mais um filme do padrão Marvel Studios. Não foge das regras estabelecidas até aqui e leva um plano maior adiante, preparando um intrigante terreno para Vingadores: Guerra Infinita.
É um evento cinematográfico, que ancorado pelo talento de seus
roteiristas, diretores e do elenco, evita ser descartável. Existe uma
ligação emocional com os heróis que continua a crescer, com antigos
personagens evoluindo e novos membros do time trazendo renovação. Basta
saber se essa história terá uma conclusão satisfatória, ou, como tantas
grandes séries, terminará em uma sensação de vazio.
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