Após fechar as fábricas nacionais e tendo uma estratégia global com foco em SUVs e picapes, o que será da marca por aqui?
Antes do fechamento das fábricas, a Ford possuía um dos carros mais vendidos do Brasil, o Ka. Além do hatch, eram oferecidos o Ka Sedan e o EcoSport. O trio estava envelhecendo rápido diante do dinamismo que o setor automotivo mostrou nos últimos cinco anos. Renová-los exigiria altos investimentos. Ainda que o EcoSport já estivesse com uma nova geração sendo desenvolvida em parceria com a divisão indiana da Ford, o projeto acabou sendo cancelado abruptamente.
A linha Ka e o SUV eram os produtos mais vendidos da marca por aqui e os únicos com fabricação nacional. No entanto, os modelos de entrada possuem margens menores. E é bom lembrar que a Ford adotou, em 2018, uma estratégia global de abrir mão de modelos convencionais e de pequeno porte para focar em SUVs, picapes e elétricos, essencialmente visando maior rentabilidade dos negócios.
Para fazer uma comparação mais justa, vamos usar os números do primeiro semestre de 2019 e eliminar o baque da pandemia na venda de automóveis em 2020. Naquele período, a Ford emplacou 103.613 carros. Desses, 50.646 unidades foram do Ka, 22.886 do Ka Sedan e 15.433 do EcoSport, totalizando 88.965 unidades. Ou seja, 85,8% de tudo o que a Ford vendeu por aqui naquele ano foi fabricado no Brasil.
Agora olhando para os números do primeiro semestre de 2021, em que apenas um pequeno número dos modelos nacionais entram na conta após o fechamento das fábricas, a Ford comercializou 24.746 unidades. A queda perante igual período de 2019 foi de 76,1%.
A linha da Ford atualmente oferecida no Brasil é composta apenas por modelos importados, sendo eles a picape média Ranger (Argentina), os SUV Territory (China), Edge (Canadá) e Bronco Sport (México) e o esportivo Mustang (Canadá). Todos os modelos pertencem a categorias premium, nas quais o potencial de rentabilidade para a empresa é muito maior do que nas categorias de entrada.
O dilema dos concessionários
Até março de 2021, a Ford do Brasil contava com 283 concessionárias. Dividindo o número de vendas de 2019 pelo total de lojas autorizadas da marca, chega-se a um total de 366 veículos comercializados anualmente em média para cada concessionária. Considerando que a marca mantenha o resultado do 1º semestre de 2021 ao longo do ano, essa média cairá para 87 carros por loja em um ano.
Por conta disso, dificilmente a Ford conseguirá manter o atual número de lojas no Brasil. A opinião também é compartilhada com a Abradif, associação que representa os distribuidores da marca por aqui. Segundo a entidade, cerca de 160 das atuais 283 lojas podem fechar até o final de 2021, uma retração de 56,5%.
Isso poderá ser um problema maior para quem possui carros da Ford em regiões com poucas concessionárias, como os estados de Roraima, Amapá e Acre, que contam com apenas um distribuidor Ford cada. A Abradif diz que a maioria dos fechamentos deve ocorrer no segundo semestre de 2021, uma vez que os lojistas ainda negociam com a Ford uma saída.
No entanto, os efeitos já podem ser sentidos, com o Grupo Souza Ramos, distribuidor Ford há mais de 50 anos, encerrando as atividades. Procurada pela CNN Brasil, a Ford declarou apenas que “neste momento, não estamos comentando sobre estratégias relacionadas a nossa Rede de Concessionários. No entanto, reafirmamos nosso compromisso de oferecer assistência total e cobertura nacional aos nossos consumidores, com garantia, peças e assistência técnica para todos os nossos produtos”.
O futuro da Ford no Brasil
Como foi visto, a Ford está em meio a uma transformação de sua atuação no mercado brasileiro. No lugar de disputar volume em segmentos de baixa rentabilidade, investirá cada vez mais em produtos importados e direcionados a categorias onde as margens de lucro são mais elevadas, sem precisar arcar com os custos da produção local.
O primeiro carro dessa nova fase foi apresentado no final de abril. É o Ford Bronco Sport. SUV de porte médio, o modelo é fabricado no México e se aproveita de uma tarifa de importação menor graças aos acordos comerciais mantidos com o Brasil. Ele utiliza uma variação da plataforma de outro SUV vendido nos EUA, o Escape, e marca o renascimento de um antigo SUV da marca de mesmo nome introduzido nos anos 1960.
O carro em si é bem moderno, trazendo um motor 2.0 turbo a gasolina de 240 cv de potência e 38 kgfm de torque, aliado a uma transmissão automática de 8 marchas e tração integral. O Bronco Sport também aposta numa lista de itens de série mais farta, com amplo catálogo de equipamentos de segurança ativa e passiva, além de elementos de conectividade de última geração. Tudo isso sem perder o porte de utilitário esportivo.
O problema é o preço, pois o carro custa a partir de R$ 264.990. Para comparação, um Ford Ka hatch em seus últimos dias era comercializado por cerca de R$ 50 mil. Mesmo a Ranger, que continua sendo oferecida vindo da Argentina, já parte de R$ 179.790 e é o modelo mais “acessível” da marca atualmente.
Ainda é previsto para os próximos meses a chegada de uma inédita picape de porte intermediário, aos moldes da Fiat Toro, que se chamará Maverick. Ela compartilha a plataforma, a mecânica e a linha de produção mexicana da Ford no México.
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