Isso tem ficado insustentavel....cultura podre...jovens vazios de conhecimento....
Ariano Suassuna falando do forró
atual...
‘Tem rapariga aí? Se tem, levante a
mão!’. A maioria, as moças, levanta a mão. Diante de uma plateia de milhares de
pessoas,
quase todas muito jovens, pelo menos um terço de adolescentes, o vocalista da
banda que se diz de forró utiliza uma de suas palavras prediletas (dele só não,
e todas bandas do gênero). As outras são ‘gaia’, ‘cabaré’, e bebida em geral,
com ênfase na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de
destaque do agreste (mas se repete em qualquer uma onde estas bandas se
apresentam). Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista teria
dificuldades em deixar a cidade.
Pra uma matéria que escrevi no São João
passado baixei algumas músicas bem representativas destas bandas. Não vou nem
citar letras, porque este jornal é visto por leitores virtuais de família. Mas
me arrisco a dizer alguns títulos, vamos lá: Calcinha no chão (Caviar com
Rapadura), Zé Priquito (Duquinha), Fiel à putaria (Felipão Forró Moral), Chefe
do puteiro (Aviões do forró), Mulher roleira (Saia Rodada), Mulher roleira a
resposta (Forró Real), Chico Rola (Bonde do Forró), Banho de língua (Solteirões
do Forró), Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal), Dinheiro na mão,
calcinha no chão (Saia Rodada), Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca), Abre
as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró), Tapa na cara, puxão no cabelo
(Swing do forró). Esta é uma pequeníssima lista do repertório das bandas.
Porém o culpado desta ‘desculhambação’
não é culpa exatamente das bandas, ou dos empresários que as financiam, já que
na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do
cara que investe no grupo. O buraco é mais embaixo. E aí faço um paralelo com o
turbo folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país
estava esfacelando- se. Dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do
tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com música
regional sérvia e oriental. As estrelas da turbo folk vestiam-se como se vestem
as vocalistas das bandas de ‘forró’, parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas
terminavam muito cedo, as saias e shortes começavam muito tarde. Numa
entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do Centro de Estudos
alternativos de Belgrado. Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o regime
Milosevic incentivou uma música que destruiu o bom-gosto e relevou o
primitivismo est tico. Pior, o glamour, a facilidade estética, pegou em cheio
uma juventude que perdeu a crença nos políticos, nos valores morais de uma
sociedade dominada pela máfia, que, por sua vez, dominava o governo.
Aqui o que se autodenomina ‘forró
estilizado’ continua de vento em popa. Tomou o lugar do forró autêntico nos
principais arraiais juninos do Nordeste. Sem falso moralismo, nem elitismo, um
fenômeno lamentável, e merecedor de maior atenção. Quando um vocalista de uma
banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com
presença de autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta se
tem ‘rapariga na plateia’, alguma coisa está fora de ordem. Quando canta uma
canção (canção?!!!) que tem como tema uma transa de uma moça com dois rapazes
(ao mesmo tempo), e o refrão é ‘É vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de
ferro!’, alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que uma juventude cuja
cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder
daqui a alguns poucos anos.
Ariano Suassuna
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