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terça-feira, 11 de outubro de 2022

Plano cogitado por Bolsonaro para mudar STF pode esbarrar em cláusula pétrea da Constituição

Intenção de aumentar quantidade de integrantes do STF já foi fruto de PECs apresentadas no Congresso na última década, mas que nunca avançaram concretamente

Plenário do STF

A proposta de expansão do número de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) encampada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) esbarra em entendimentos de que alterar a composição da corte contraria cláusula pétrea da Constituição, que não pode ser modificada por emenda do Legislativo.

A intenção de aumentar a quantidade de integrantes do Supremo já foi fruto de PECs (propostas de emenda à Constituição) apresentadas no Congresso na última década, mas que nunca avançaram concretamente.

Professores, estudiosos em direito constitucional e o ministro aposentado do STF Celso de Mello, no entanto, apontam que a interferência sugerida pelos aliados do presidente no Poder Judiciário, além de autocrática, abre margem para que uma norma nesse sentido seja invalidada, por eventual desrespeito à separação de Poderes.

Por meio de mensagem, Celso de Mello disse nesta segunda-feira (10) que "a pretensão de Bolsonaro e de seus epígonos" tem a "perversa e inconstitucional finalidade de controlar o STF e de comprometer o grau de plena e necessária independência que os magistrados e os corpos judiciários devem possuir".

"Qualquer emenda à Constituição que desrespeite tal princípio [da separação de Poderes] mostrar-se-á impregnada do vício gravíssimo de inconstitucionalidade."

Outro ministro aposentado, Marco Aurélio, disse à BBC Brasil que a intenção dos bolsonaristas é "saudosismo puro" da ditadura.

"A ingerência direta do Executivo ou Legislativo para aumentar ou diminuir a quantidade de vagas na Suprema Corte é medida de caráter autocrático e pode ser caracterizada como constitucionalismo abusivo", diz Georges Abboud, professor de direito Constitucional da PUC-SP e do IDP.

"Assim, uma emenda constitucional nesse sentido contraria a cláusula pétrea da separação de Poderes e pode ser declarada inconstitucional pelo próprio STF."

A advogada e mestre em direito público pela FGV Vera Chemim afirma que "o tema é polêmico", especialmente por "estarmos testemunhando uma conjuntura de turbulência político-institucional, o que provocará muitos debates acerca do tema".

"Existem juristas que são contra essa mudança, sob o fundamento de que se trata de uma ‘cláusula pétrea’", diz ela.

Lenio Streck, professor de direito constitucional, vê com ressalvas a possibilidade de o Supremo decidir pela inconstitucionalidade de um aumento do número de ministros.

"O STF poderia declarar a inconstitucionalidade? Até poderia. Mas criaria um looping político, porque geraria reação do Legislativo. Democracia é como um cristal. Cuidado ao manejá-lo. Elefantes não sabem o que é cristal. Podem quebrar tudo", diz.

Após o primeiro turno das eleições deste ano, a ideia de aumentar a composição do STF foi defendida pelo vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos), que se elegeu senador pelo Rio Grande do Sul.

Em entrevista à GloboNews na qual fez críticas ao STF, Mourão sugeriu mudanças no número de magistrados, duração de mandatos e da idade de aposentadoria dos ministros, além de limitações às decisões monocráticas.

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), também disse à GloboNews que há "necessidade de enquadramento de ativismo do Judiciário".

Bolsonaro, em campanha para a reeleição, disse no domingo (9) que deve avaliar a proposta somente após a eleição e disse que sua decisão sobre o tema vai depender da temperatura na corte.

Mudanças na composição da corte suprema brasileira aconteceram, no passado, em governos autoritários.

Após a Revolução de 1930, o governo provisório de Getúlio Vargas reduziu o número de ministros de 15 para 11. Em 1965, na ditadura militar, o Ato Institucional nº 2 aumentou o número de integrantes do Supremo para 16 e, em 1968, o Ato Institucional nº 5 aposentou três ministros.

Em 1969, o Ato Institucional nº 6 restabeleceu a composição de 11 ministros. O número de 11 ministros foi mantido pela Constituição de 1988.

A possibilidade de mudança na composição do STF devido à insatisfação de aliados do governo com as decisões é vista como uma tentativa de corroer a democracia por dentro por pessoas que estudam cortes constitucionais.

"Essa história de mudar composição da corte é como se fosse receita de bolo de como você destrói a democracia. É fazer com que a instituição que guarda a Constituição seja desmobilizada", diz o professor da FGV Direito Rio Álvaro Jorge, autor do livro "Supremo Interesse (Synergia)", sobre o processo de escolha de ministros do STF.

"Nas democracias, as cortes constitucionais têm um papel contramajoritário, de frear a vontade das maiorias e do governo para garantir os direitos fundamentais", diz o professor.

Ele cita como exemplo alterações no Judiciário de países que vivem em regimes cuja democracia é questionada, como a Venezuela, a Hungria e a Polônia.

"Em 2004, o Hugo Chávez fez isso na Venezuela. Ele passou de 20 para 32 o número de ministros e jogou para dentro da corte os aliados", diz.

"A Polônia fez uma série de intervenções no Poder Judiciário e restringiu os poderes da corte constitucional, chegando a não publicar decisões da corte, justamente para tirar o poder de ela atuar no controle do governo."

Propostas de reformas mais profundas no Supremo já foram sugeridas no Congresso por partidos de esquerda e de direita, em tentativas de reformas do Judiciário mais amplas e diferentes do proposto por Bolsonaro.

As sugestões previam, inclusive, mudanças no formato de indicação dos seus integrantes da corte.

Em 2013, a deputada Luiza Erundina (de SP, à época no PSB e hoje no PSOL) e o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) apresentaram propostas que previam o aumento do número de ministros de 11 para 15.

No seu texto, Erundina queria a redução das atribuições do Supremo, com o objetivo de limitar as causas julgadas pelo tribunal apenas às questões diretamente ligadas à interpretação da Constituição Federal.

Em sua proposta, os novos membros seriam aprovados pelo Congresso a partir de listas tríplices votadas pelos conselhos nacionais da Justiça, do Ministério Público e pela OAB.

Procurada, Erundina afirma que é, atualmente, contrária à possibilidade de sua proposta ser colocada em pauta e afirma que seu sentido original, de mudar "a própria natureza do Supremo", foi deturpado pelos bolsonaristas para "um uso antidemocrático e para servir ao interesse de uma disputa do Executivo com o Supremo".

 

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